ATA DA QUADRAGÉSIMA SÉTIMA SESSÃO SOLENE DA QUINTA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA NONA LEGISLATURA, EM 19.11.1987.

 


Aos dezenove dias do mês de novembro do ano de mil novecentos e oitenta e sete reuniu-se, na Sala de Sessões do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegra, em sua Quadragésima Sétima sessão Solene da Quinta Sessão Legislativa Ordinária da Nona Legislatura, destinada a homenagear a Semana do Negro - Dia do Zumbi. Às dezessete horas e vinte e nove minutos, constatada a existência de “quorum”, o Sr. Presidente declarou abertos os trabalhos e convidou os Líderes de Bancada a conduzirem ao Plenário as autoridades e personalidades presentes. Compuseram à Mesa: Ver. Brochado da Rocha, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre; Dr. Alceu Collares, Prefeito Municipal de Porto Alegre; Ver. Wilton de Araújo, Secretário Municipal de Obras a Viação; Prof. Guarani dos Santos, da Comissão do Movimento Negro de Porto Alegre; Sr. Waldemar de Moura Lima, do Movimento Quilombista; Sr. João Alberto de Matos, representante do Mutiran; Sr. Nei dos Santos, representando o ex-Deputado Carlos Santos; Ver. Ennio Terra, proponente da Sessão e, na ocasião, Secretário “ad hoc”. Após, o Sr. Presidente registrou a presença, no Plenário, do Sr. Carlos Alberto Silva, Diretor do Departamento de Esgotos Pluviais de Porto Alegre. Em continuidade, o Sr. Presidente concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. O Ver. Ennio Terra, em nome das Bancadas do PDT, PDS, PT e PL, falou sobre o Quilombo dos Palmares, formado por negros, índios e mamelucos, todos fugitivos de um governo colonial escravagista, comentando a morte do líder negro “Zumbi dos Palmares”. Discorreu sobre a Epopéia de Palmares, a primeira sociedade realmente socialista do País, lamentando que a discriminação não permita o estudo da figura do Zumbi dos Palmares e sua inclusão nos currículos escolares brasileiros. Fez uma análise acerca da Abolição da Escravatura, dizendo que a liberdade dos negros ocorreu apenas fisicamente, sendo uma luta continua que ainda hoje necessita ser travada. O Ver. Caio Lustosa, em nome das Bancadas do PMDB, PSB e PC do B, comentou a figura do Zumbi dos Palmaras e o movimento negro, precursor de todas as lutas libertárias que hoje se travam no País. Ressaltou a importância da República dos Palmares, discorrendo sobre a formação de sua sociedade, implantada dentro dos moldes do regime socialista e atualmente resgatada na memória dos brasileiros pelo historiador Décio Freitas. Fazendo uma análise da abolição da escravatura no Brasil, classificou-a como um movimento fantasioso e pseudo-abolicionista, tendo em vista a situação atual do negro no País. Teceu críticas ao “Apartheid” e ao movimento integracionista, movimentos ligados aos interesses multinacionais. Comentou o caso “Júlio César”, onde um jovem negro foi assassinado, vítima do preconceito e do arbítrio. E o Ver. Lauro Hagemann, em nome da Bancada do PCB, declarou que o seu Partido se associa às comemorações da Semana do Negro, dentro de sua filosofia de gradativa eliminação das distinções entre os homens, sejam elas de cunho social, de credo, cor ou mesmo político. Declarou que o PCB compreende a caminhada do negro rumo a sua real abolição, ao resgate de sua verdadeira condição dentro da sociedade. Comentou a figura do Zumbi dos Palmares e sua República baseada nas decisões coletivas, em detrimento de ações individualistas, destacando que o exemplo desse líder negro deveria ser seguido por todos os jovens do País. Analisou as condições de vida do negro brasileiro, dizendo da importância da unidade para que esse grupo atinja seus objetivos, colaborando para a construção de um Brasil melhor. A seguir, o Sr. Presidente concedeu a palavra ao Prof. Guarani dos Santos que, em nome do Movimento Negro Brasileiro, agradeceu a presente homenagem e a institucionalização da Semana do Negro, através de projeto do Ver. Wilton de Araújo, aprovado por esta Casa, analisando o movimento negro no País. Declarando a importância da participação política para a modificação do quadro opressor do negro ainda hoje observado no Brasil, comentou a realização, amanhã, da “Moamba Política Zumbi dos Palmares”, ato público onde serão denunciadas discriminações contra os negros. Após, o Sr. Presidente concedeu a palavra ao Pref. Alceu Collares, que analisou o movimento negro, enfatizando a necessidade de conscientização de toda a comunidade negra para a busca de sua verdadeira libertação, a fim de que haja uma mudança real do “status quo” brasileiro. Em continuidade, o Sr. Presidente fez pronunciamento alusivo à solenidade, convidou as autoridades e personalidades presentes a passarem à Sala da Presidência e, nada mais havendo a tratar, levantou os trabalhos às dezoito horas e cinqüenta e três minutos, convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pelo Ver. Brochado da Rocha e secretariados pelo Ver. Ennio Terra, Secretário “ad hoc”. Do que eu, Ennio Terra, Secretário “ad hoc”, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após lida e aprovada, será assinada pelos Senhores Presidente e 1ª Secretária.

 

 


O SR. PRESIDENTE: Antes de concedermos a palavra aos oradores desta Sessão, a Mesa registra a presença em Plenário do Sr. Carlos Alberto Silva, Diretor do Departamento de Esgotos Pluviais de Porto Alegre.

Dando início à solenidade, passamos a palavra ao Ver. Ennio Terra, que falará pelas Bancadas do PDT, PDS, PT e PL.

 

O SR. ENNIO TERRA: Sr. Presidente, Srs. Vereadores, Senhoras e Senhores, no teatro da eternidades, abrem-se as cortinas da história no palco de nossa Pátria e surgem as cenas dramáticas do ano de 1695, cenas da epopéia gloriosa do “Quilombo de Palmares”. Dramaticamente, veremos tombar, mortalmente ferido, o grande, o vulto negro, o maior guerreiro de sua raça, o inigualável Zumbi dos Palmares, na inesquecível data de 20 de novembro. Ele, ao tombar, sabia que havia plantado a semente de uma consciência de liberdade e o sonho de uma sociedade justa para todos, onde o homem jamais poderia ser explorado pelo próprio homem, onde a dignidade sobrepujaria a força das armas e o troar retumbante dos canhões.

Nós, do Partido Democrático Trabalhista, onde buscamos a igualdade social, estamos convictos de que a construção da democracia no Brasil passa necessariamente pelo fim de todas as formas de discriminações, discriminações essas que não se coadunam com a linha filosófica, ética, moral e programática do nosso partido, razão pela qual, nesse dia 19 de novembro, véspera da data para nós histórica da “consciência negra” no Brasil, buscamos resgatar a memória de um bravo, que a sociedade capitalista procurou banir da história da nossa Pátria, por razões eminentemente racistas, privando aos nossos jovens escolares o real estudo das páginas gloriosas, gravadas com letras de ouro, mas manchadas de sangue, suor e lágrimas de uma raça que foi e continua sendo a mola mestra do maior país da América Latina.

Sabemos que em idas eras o Brasil foi um país essencialmente agrícola, cuja produção dependia exclusivamente da força do braço escravo, e que as suas riquezas minerais eram extraídas e exportadas por seres humanos escravizados, que eram chicoteados e humilhados como animais de carga.

Vergonhosa humilhação, atos que foram praticados por homens considerados cristãos, num país chamado de: “abençoado por Deus”.

Aí, Senhoras e Senhores, é que surge a primeira e real sociedade socialista do continente chamada de “Quilombo dos Palmares”, que foi o reduto contestador dos padrões de uma sociedade colonial e escravista. Mas estimativas sobre a população palmarina, no período de maior desenvolvimento do quilombo, referem-se a aproximadamente 30 mil habitantes, não só de negros e ex-escravos, mas também de índios, mamelucos, mulatos e brancos, todos fugidos do jugo de um governo colonial escravista e injusto.

Todas as informações indicam que a base do poder político de Palmares residia nas assembléias locais, que seguramente decidiam por maioria de sufrágio. Por sua vez, tais assembléias elegiam os chefes da comunidade que, reunidos, escolhiam o chefe de governo. A combinação de eletividade, igualdade civil e formas socializadas de produção agrícola e industrial de ferramentas agrícolas e aparatos bélicos fazem pensar numa república socialista, igualitária, fraternal e livre, pois a produção agrícola era distribuída para todos igualmente e parte era reservada para as crianças e velhos, principalmente para os períodos de guerra. O que fora inicialmente um pequeno refúgio de escravos tornara-se, com o passar dos anos, um conjunto de florescentes comunidades espalhadas por um território de selva virgem que ocupava, de norte a sul, uma extensão de aproximadamente 350 Km.

Nessa sociedade surpreendentemente socialista, nasceu e cresceu Zumbi, que, assimilando os ensinamentos dos grandes chefes do quilombo, entre eles Ganga Zumba, ouvindo histórias de escravidão, de senzalas e castigos, Zumbi ainda jovem tornou-se líder e chefe guerreiro. Em pouco já era uma lenda pelas suas estratégias de ataque e defesa nas guerras travadas contra as forças imperiais. Tanto que o mesmo enfrentou 5 anos de lutas contínuas contra as maiores forças do exército colonial, que teve que transportar poderosos canhões para destruir a cidade de “macacos”, a capital do Quilombo dos Palmares.

A farsa perpetuada de 13 de maio de 1888, dando liberdade física aos escravos, relegou essa força de trabalho a uma marginalizada indigência tornado-os uns párias sociais, por imposição dos poderes econômicos da época, que viam naqueles ex-escravos uma força de trabalho que iria competir no mercado de trabalho assalariado. Com o advento da industrialização do Brasil, o negro foi relegado aos mais bisonhos trabalhos. Era barrado para que não se especializasse, tendo o mesmo que lutar arduamente ara ocupar os espaços e enfrentar terríveis barreiras, que, infelizmente, até hoje perduram, embora veladamente.

O que o Zumbi dos Palmares deixou, para nós não foi um exemplo de dignidade, uma herança de amor a sua raça, uma fibra inquebrantável e uma luta que devemos preservar e transmitir às futuras gerações, porque a discriminação não terminou, continua veladamente, mas continua, porque somos ainda considerados intrusos e competidores no mercado de trabalho e considerados aberração na cultura e nas artes, nessa pátria que nos foi legada e que amamos, porque é uma pátria morena que assimilou nossos costumes, religião, cultura, cozinha, arte e música.

O troar dos canhões de Domingos Jorge Velho destruíram a cidadela heróica de Zumbi dos Palmares, mas não destruiu e jamais destruirá a consciência de uma raça. Zumbi é mais do que nunca, hoje, a estrela rutilante e o sol mais brilhante de um segmento social, porque neste céu, este céu tão azul, tremula altaneira há quase 300 anos a bandeira da consciência negra, porque Zumbi vive eternamente. Muito obrigado.(Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Com a palavra, o Ver. Caio Lustosa, que falará em nome das Bancadas do PMDB, PSB e PC do B.

 

O SR. CAIO LUSTOSA: Sr. Presidente, Srs. Vereadores, por incumbência da Liderança de nossa Bancada, bem como da representante do Partido Comunista do Brasil nesta Casa, Ver.ª Jussara Cony, que só pelo fato de estar participando neste exato momento da reunião da Comissão do Conselho Estadual de Saúde, em que é uma das articuladoras, não está aqui presente como desejaria, bem como do Partido Socialista Brasileiro, que tem como representante nesta Casa Ver. Werner Becker, nós nos integramos com muito empenho e satisfação nesta homenagem em tão boa hora requerida pelo Ver. Ennio Terra. Trata-se de celebrar a data memorável da epopéia de Palmares, da Liderança negra de Zumbi, que, há cerca de mais de 300 anos, num movimento precursor de tantas rebeldias e de tantas lutas pelas quais o povo brasileiro vem fazendo a sua História, a História não convencional, a História real, sofrida, este movimento é um marco, sem dúvida, de todas as lutas populares deste País e dele extraímos lições que nos servem para avaliar e pesar o próprio estilo de desenvolvimento dos campos econômico, social e político que este País acabou adotando, sob o influxo de dominação das chamadas culturas avançadas do mundo branco e europeu. O próprio desenvolvimento econômico de Palmares que, ao cabo de 100 anos conseguiu implantar uma estrutura econômica baseada na abundância dos alimentos para consumo interno e não na monocultura que escraviza – e temos exemplos disto, até hoje, na economia brasileira – numa economia baseada em consumo interno e não em alimentos para a exportação – outro signo da economia atual neste País – numa economia baseada na terra como valor de uso e bem estar para o povo e não como valor de troca de especulação e de ganância, enfim, uma sociedade estratificada em que uns oprimem e outros são oprimidos. Este é o exemplo multissecular dos Quilombos dos Palmares, que foi duramente implantado, mantido por uma legião de escravos, negros, mulatos e brancos, todos submetidos ao sistema de dominação da época e que, hoje, pelo resgate da História, em trabalhos inclusive de um companheiro nosso, o Bravo Historiador Décio Freitas, de Clóvis Moura, e tantos outros foi resgatada e vem hoje ao conhecimento das gerações presentes deste País. O episódio da Abolição assim hoje está devidamente revisto e equacionado, tão mistificado que foi pela história oficial, e hoje bem sabemos que a Abolição foi mais um daqueles capítulos dolorosos, fantasiosos e farsantes da história brasileira em que as elites se acomodaram e a massa popular serviu apenas de manobra. No presente momento sabe-se que daqueles trabalhadores que recebem até meio salário-mínimo, 60% é constituído de pretos, mulatos. 15% de patrões pretos competem um universo de 65 patrões; 8 empregados brancos do universo de emprego neste País para 6 empregados não brancos; 39% da gente de cor usufrui de um ano de instrução e 6% apenas dos negros e mulatos deste País ultrapassam o primeiro grau de estudo.

Houve uma pseudolibertação do quadro institucional em relação à raça negra, mas a sociedade dominadora apenas transferiu para os postos e posições mais ínfimas e mais subalternas da sociedade as minorias que, se bem avaliadas, são a maioria de cor neste País.

No plano internacional, e é bom refletirmos um pouco sobre isto, duas grandes chagas se abatem sobre os povos africanos recém saídos de lutas cruentas da dominação colonial européia. O “apartheid”, a forma mais mesquinha, mais violenta, mais abusiva de exploração do homem pelo homem, ainda encontra lugar e respaldo dentro do governo sul-africano do repúdio da quase totalidade dos países civilizados, mas, contra ele é necessário unir-se em momentos como este, todas as vozes, todos os repúdios e todos os protestos.

Outra chaga apontada por Amilcar Cabral, o grande líder da Guiné Bissau, é o integracionismo, a forma pela qual os governos de países colonialistas procuram a toda força fazer com que a identidade dos povos negros se perca no burburinho da uniformização das culturas, do consumismo, do produtivismo que outras não são, que as culturas absurdas e destrutivas do mundo capitalista, enquanto esse integracionismo temos também em momentos como este de colocar a nossa repulsa, no momento em que coincidentemente também se faz neste País um esforço integracionista em relação às populações indígenas da Amazônia Oriental, um projeto de características até belicistas como é a chamado projeto “Calha Norte” sob o pretexto do desenvolvimento e do progresso, procura submeter e espoliar o resto de civilizações e culturas indígenas aos interesses das multinacionais.

E aqui, Sr. Presidente e Srs. Vereadores, representantes da comunidade negra de Porto Alegre, também temos presente, contundente, ocorrido há bem pouco a violência e a tragédia que vitimou um trabalhador negro, Júlio César, a quem nesta hora rendemos o nosso preito e a nossa homenagem. (Palmas.) E ele, o mártir do preconceito disseminado, do preconceito escondido e imiscuído nas mentes e nas inteligências até daqueles que negam serem preconceituosos, e que, pelo simples fato de ser negro tombou vítima de um aparelho policial repressor, que também é formado e ilustrado, entre aspas, pelos princípios da dominação da discriminação racial, da superioridade de cultura. E é a ele que rendemos, então, o nosso preito nesta hora, manifestando o nosso repúdio pela forma como tem sido conduzido o processo, na esfera policial e judicial, na área militar, com um andamento que, evidentemente, não é o mesmo que se daria ao processo de um cidadão que não fosse preto, trabalhador e pobre. Mas é preciso, e temos consciência de que a comunidade negra desta cidade, deste Estado, hoje, por si só, já esta capacitada a entender, a compreender e a lutar pelos seus direitos. Ela haverá, mais e mais, de conquistar os seus espaços, reivindicar, em termos de igualdade, a sua posição na sociedade brasileira, que só será definitivamente conquistada com o avanço das conquistas democráticas, das garantias mínimas de cidadania, o direito de voz, o direito de podermos dizer como o poeta anônimo de Moçambique: “De ti, irmão, nós esperamos; a ti nós oferecemos não a mão caridosa que humilha e justifica, mas a mão solidária, comedida, consciente”. Que Zumbi seja o exemplo para todos nós. Muito obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Com a palavra, o Ver. Lauro Hagemann, que falará em nome do PCB.

 

O SR. LAURO HAGEMANN: Sr. Presidente, Srs. Vereadores, o Partido Comunista Brasileiro comparece a esta Sessão para se associar, numa fraternal solidariedade, às comemorações da 2ª Semana do Negro de Porto Alegre. E o fazemos baseados na filosofia que inspira o nosso Partido, de se, gradativamente, eliminar as diferenças entre todos os homens, diferenças de cor, de condição econômica, de condição social, de condição até política. Na nossa caminhada rumo ao comunismo, do qual o socialismo é uma etapa, quando pretendemos ver o mundo unido, sob uma mesma bandeira, sem distinção de classes, nós entendemos a caminhada da comunidade negra neste País, caminhada cuja história tem sido negada, sistematicamente, pela classe dominante. E isto até pode ser entendido como o desejo da continuidade da dominação, porque não se conhecendo a verdadeira história de todos aqueles que compuseram a vida deste País, é difícil se estabelecer uma linha segura de raciocínio. Hoje, felizmente, estamos assistindo a esta Sessão Solene em tão boa hora proposta pelo Ver. Ennio Terra é exemplo do que se pretende e do que se pode resgatar da verdadeira história deste País. A elite dominante e predominantemente branca com raízes européias tem negado sistematicamente, na historiografia oficial, a participação do negro na vida brasileira. E hoje, repito, felizmente, estamos assistindo ao resgate paulatino dessa participação. E esta tarefa cabe muito especialmente à própria comunidade negra e ela está-se imbuindo das suas responsabilidades, isto é um fator que entusiasma, porque, pelas lições que nos Zumbi, especialmente, nós verificamos que, através da história, em vários e distintos movimentos populares a idéia do coletivismo predominando sobre o individualismo já começou a germinar há muitos séculos. Quando hoje nós pregamos a modificação do regime capitalista pelo regime socialista, em sua essência, também, estamos dizendo que deve predominar a decisão coletiva pela decisão individual e isto foi pregado e praticado pelo movimento quilombista há 300 anos atrás. É uma lição histórica que nós devemos transmitir aos jovens de hoje, aos jovens do amanhã e esta é uma tarefa que nos cabe a todos.

O negro do Brasil foi relegado a uma condição subalterna sob a carga de um racismo, mas no fundo, as questões, ou a questão econômica é que predominou. Considerado como de uma raça inferior, a ele foram cometidas as tarefas mais indignas. E isto hoje ainda se verifica. O Processo de desenvolvimento econômico deste País, com a industrialização, deixou o negro numa situação mais deplorável, porque pela falta de instrução, ele não pôde e não está podendo ascender àquelas posições que uma sociedade igualitária lhe daria, necessariamente. E isto tem entravado o desenvolvimento deste segmento importantíssimo da coletividade brasileira. Mas é preciso também que a comunidade negra deste País entenda que só através de sua unidade é que este desejo de superação, esta necessidade de superação das atuais condições será possível.

A História registra, fartamente, os movimentos divisionistas que nunca conduziram a lugar nenhum. E é preciso que os negros brasileiros tenham presente isto. Esqueçam as suas momentâneas divergências. Esqueçam idiossincrasias e que se unam em torno daquilo que nós precisamos para este País. Uma transformação radical da sociedade brasileira, com a cooperação de todos os segmento, independe de cor, raça, credo e onde os negros tenham um papel muito importante, como quase a metade da população deste País. Isto só será possível com a integração de todos e, sobretudo, com a consciência de todos de que nós precisamos promover estas mudanças, porque se não este País ingressará no terceiro milênio sem condições de oferecer uma perspectiva de futuro para uma sociedade imensa que vai continuar se debatendo na pobreza, na miséria, no analfabetismo, na falta de saúde, na falta de educação, em todas estas condições mínimas de vida quando nós temos, aqui, a nossa disposição um País rico, fabulosamente rico, mas que precisa ser gerido por nós, não por influências externas. Por isso, companheiros, me sinto muito à vontade para falar nesta Sessão, porque meu Partido prega exatamente isso: nós queremos a integração de toda a sociedade brasileira, independentemente de cor. Espero que, num futuro muito próximo, o movimento negro, a comunidade negra, alcance a respeito, a dignidade que merece no seio da sociedade brasileira. Muito obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Com a palavra, o Sr. Prof. Guarani dos Santos.

 

O SR. GUARANI DOS SANTOS: Presidente da Câmara, Sr. Prefeito, Srs. Vereadores, Sr. Secretário Wilton Araújo, Sr. Carlos Alberto da Silva, ilustre Diretor do DEP, Srs. e Sras. Eu gostaria de agradecer, em primeiro lugar, as palavras e o calor que nos foi passado, a nós da comunidade negra e para o público em geral elogiosas de nossa grande amigo e companheiro de todas as lutas, Ver. Caio Lustosa, também nosso grande amigo e companheiro de várias e várias batalhas, Ver. Lauro Hagemann e também registrar a iniciativa de nosso irmão de luta, nosso irmão de raça, Ver. Ennio Terra que, através da indicação desta Sessão Solene, propiciou este acontecimento. Também um agradecimento muito especial aos Srs. Secretário Wilton Araujo, que através de seu Projeto, depois transformado em Lei, oportunizou que o Município de Porto Alegre tivesse formalizada, institucionalmente, a Semana do Negro.

Ficam, pois, de parabéns, os Vereadores, esta Câmara Municipal, esta Casa do Povo, na medida em que, aprovando o Projeto, grande parte da comunidade de Porto Alegre vê-se, assim, parabenizada. Nossos parabéns, portanto. Também o reconhecimento especial ao Sr. Prefeito Dr. Alceu Collares que, sensibilizando pelo Projeto, pela Lei da Câmara, atendeu aos anseios da Comissão do Movimento Negro. Procuramos o Executivo e também por ele fomos procurados, houve o casamento de idéias e houve a liberação de recursos pelo Executivo, para dar condições materiais a que a Semana do Negro ocorresse não da maneira em que planejávamos, mas diante de atropelos dos acontecimentos e das comissões está saindo. Sentimo-nos agradecidos pela postura do Sr. Prefeito e desta Casa em nos ajuda. Assim agindo, o Prefeito liberou a Comissão de Representantes do Movimento Negro e de entidades negras de Porto Alegre para formalizarem o calendário de eventos. Assim o fizemos e estamos levando avante. Convidamos a todos para comparecer à Esquina Democrática, onde daremos continuidade a um ato político, hoje a partir das 19 horas. Amanhã, que será o grande Dia, o grande ato, sairemos da Esquina Democrática, com uma coisa muito especial, muito negra, a “Muamba Política”. Entendemos, e grande parte da comunidade negra entende que, efetivamente, a participação política é altamente necessária. O prestígio aos políticos e aos partidos políticos são coisas muito conseqüentes que a comunidade negra esta levando adiante. Por isso o nome do ato é Muamba Zumbi, Muamba Política, Zumbi dos Palmares, que há de se encerrar na frente do EPATUR, num grande ato político, onde nós faremos uma grande fogueira e nesta fogueira colocaremos todas as leis que tiveram por fim a abolição da escravidão no Brasil, que nós sabemos, também, por dois ilustres Vereadores, que brilhantemente colocaram, não ouve. Tanto que ela é chamada por parte da comunidade de “abolição de mentira”.

E nós aproveitamos, também, para comunicar que a Comissão Organizadora da Semana do Negro, está reivindicando, com muita força, um terreno para o Executivo. Um terreno para que nele se localize uma Casa de Cultura Negra, um Museu Negro, onde a arte e a cultura, a história e a política negra tenham condições de emergir. E nós acreditamos em que o Sr. Prefeito será sensível a este apelo. Estamos pressionando o Sr. Prefeito. Inclusive, Sr. Prefeito, o Senhor fique sabendo que o seu nome está debaixo do pé do homem de todas as terreiras aqui de Porto Alegre, porque se não nos ceder, também vai bailar...

 

O SR. ALCEU COLLARES: Não tenho medo disso, porque se tivesse não estaria aqui.(Palmas.)

 

O SR. GUARANI DOS SANTOS: Também tivemos a feitura dessa Cartilha, chamada “Cartilha Zumbi dos Palmares”, onde colocamos a perspectiva da visão do movimento negro aqui de Porto Alegre, que também faz parte do Movimento Negro na sua totalidade. E nessa cartilha nós estamos comunicando, denunciando a questão do companheiro Júlio César que já foi levantada, aqui, pelos dois Vereadores. Júlio César foi assassinado pelo simples fato de ser negro, e nós temos que dar um basta para isto, um chega para isto. Ontem, ainda, nós vimos estarrecidos a organização que matou Júlio César, sendo homenageada com matéria paga pelo Executivo, dizendo que faz tantos anos que está servindo o povo e coisa e tal. É triste de se ver isto nesta terra, enquanto isso os assassinos do Júlio César estão à solta.

Mas nós estamos ainda confiantes na Justiça Militar do nosso Estado. Esperamos que a Justiça Militar do nosso Estado e confiamos ainda nela, até prova em contrário, faça justiça – é o mínimo que o Movimento Negro, que a comunidade porto-alegrense espera.

Por outro lado, nesta Cartilha, também, estamos denunciando e protestando contra o Projeto Centenário da Abolição, que está começando a emergir, patrocinado pelo Ministério da Cultura, tentando impingir aos milhões e milhões, seguramente, setenta milhões de negros neste País, que nós fomos libertos, que nós fomos felizes, seguros e tranqüilos. Tentando impingir o 13 de maio como uma data negra. Ora, se a data negra, nossa, é o dia 20 de novembro – nós não temos nada a ver com o 13 de maio; tem em a ver com 13 de maio são os latifundiários, os escravistas, os grandes empresários, a elite que domina este País. A comunidade negra não! E nem o trabalhador pobre também não. A nossa data é outra. Estamos denunciando isso nesta Cartilha, também.

Estamos denunciando e protestando, também, contra o processo de violência que se abateu sobre o negro no Rio Grande do Sul desde a sua entrada aqui neste Estado.

E vejam os Senhores, há pouco, o Ver. Lauro estava nos dizendo e constatando que já é um avanço ver pessoas representativas da comunidade negra juntas aqui numa luta comum. E é um avanço maior ainda quando se vê o Plenário quase lotado de pessoas de nossa raça. Mas por que aconteceu isso? Vejam que aqui neste Estado, a abolição, entre aspas, aconteceu em 1884 e no Brasil foi em 88. Aqui aconteceu quatro anos antes. Exatamente no dia 7 de setembro de 1884 terminou a escravidão no Rio Grande do Sul.

O nosso Parque da Redenção – que conhecemos – leva o nome de Parque da Redenção, porque os escravistas da época tiraram os nossos avós e tataravós de suas casas, de suas senzalas e os colocaram atirados ali na Redenção. Atiraram! Vocês estão livres agora. Viva a liberdade, viva a abolição. Foi isto que fizeram conosco. E o nome Redenção, leva este nome, porque foi um ato que, segundo a visão escravista, redimiu a nossa comunidade. Vejam quanta mentira e falsidade tem sido colocada a nós. Nós temos que reverter isto aí. Agora, como reverter, se em 1884 éramos 99,9% de analfabetos? Qual é a nossa tradição de participação política? Por que nós temos poucos Deputados, Vereadores, Prefeitos, Generais negros? Então, o racista diz que não prestamos, porque não temos Vereador, Deputados, não somos juiz, não somos Generais e que alta representação do governo não tem nenhum negro. Mas por que isto? Eles dizem que somos assim, porque somos negros e sendo negros, somos burros e, sendo burros, somos negros e aí leva ao ciclo vicioso. Agora, isto aí tem nome. Isto se chama a violência de uma raça sobre a outra. Esta violência de deixar sem instrução. Vejam que nós não tivemos acesso à participação política, aos livros e, como é que agora querem exigir e alegar que não valemos nada, porque não temos Deputado, Vereador, Governador negro. Mas por que não temos isto? Porque não faz nem cem anos que tivemos acesso aos livros. A nossa primeira geração, de 1900 até 1930 era analfabeta. O meu avô não tinha nenhum livro em casa e não sabia ler e escrever, enquanto isto, eles que são Deputados Federais, os seus avós eram senadores e o nosso sustentava esse vadio. Nós começamos a entrar no mundo da cultura para conseguir competir somente a partir de 1960, quando houve uma democratização do ensino neste Estado, quando houve uma prioridade para o ensino no Estado. E, se até hoje é difícil estudar, branco pobre é difícil estudar, para o negro se torna muito mais difícil. Mesmo assim estamos aqui e vamos resgatar isto. É uma questão de tempo. A revolução negra e a revolução que chamo é o avanço negro, com todas as camadas populares que querem transformar a sociedade. Não necessariamente só pessoas se raça negra, mas todas as pessoas da comunidade que queiram impedir um retorno da sociedade escravista, elitista, capitalista para, finalmente, nós retomarmos adequadamente e, dentro da contemporaneidade que a época exige, a época de Zumbi dos Palmares, ao socialismo que existia lá, onde brancos, índios e negros viviam decentemente e fraternalmente. Era esse o nosso comunicado. Muito obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: A Mesa oferece a palavra ao Exmo. Sr. Prefeito de Porto Alegre Dr. Alceu Collares.

 

O SR. DR. ALCEU COLLARES: Eminente Presidente Brochado da Rocha; companheiro Vereador e Secretário Wilton Araújo; companheiro Prof. Guarani dos Santos; companheiro Waldemar de Moura Lima; meu amigo Nei dos Santos, filho de um grande amigo nosso, um dos grandes exemplos de luta pela sua sobrevivência e, sem dúvida alguma, uma das mais belas figuras da raça negra, quanto ao seu comportamento, quanto a sua coragem e quanto a sua lisura. Homem que, vindo dos porões da miséria, conseguiu chegar aonde chegou sem nunca ter comprometido seu caráter, pela linha reta da decência e da dignidade. Carlos Santos chegou ao Congresso Nacional e se impôs como uma das grandes vozes defensoras, não apenas do negro, mas também dos trabalhadores. Nós fazemos este registro como uma pequena homenagem para um grande homem. Continua vivendo da forma mais simples possível. Tenho conhecido muitos homens bons, mas dificilmente alguém pode superar em compreensão, em fraternidade e em caráter a figura do nosso querido amigo Carlos Santos. É um homem de grandes esperanças e de grande fé. Meu querido companheiro Carlos Alberto, do Departamento de Esgotos Pluviais o companheiro Brochado estava dizendo que eu exerço uma discriminação com ele, porque ele está no Departamento de Esgotos Pluviais, onde não há nada, nem recursos, nem nada. Nós não vimos, nas nossas reuniões coletivas, nenhuma vez o Carlos Alberto dizer que tem recursos, mas, na verdade, ele tem feito um trabalho excelente para nós, muito bom. Companheiro Nelson Santana e companheiro João Alberto Mattos. Nós estamos vivenciando, no Brasil, um momento significativo, porque são todos os segmentos que iniciam um processo profundo de rebeldia e de inconformismo. A consciência dos segmentos oprimidos está despertando com tal força, com tal energia, com tal vigor que, possivelmente, nós tenhamos, mais cedo ou mais tarde, uma verdadeira revolução que transforme estruturalmente o País, do ponto de vista político, institucional, econômico, social e cultural. Essa sociedade fraterna, solidária, que ouvimos pregadores desde 300-400 anos anunciando no horizonte das nossas vidas, ela cada vez está mais longe de nós, mas hoje, seja pelo poder das comunicações, o mundo tendo-se transformado num mundo muito pequeno, seja pelo despertar das consciências das classes oprimidas, seja porque as nações também estão fazendo reflexões, seja, principalmente, porque estamos chegando ao fim de um ciclo econômico não apenas no Brasil. É que os ciclos econômicos, que um economista russo disse que ocorrem de 50 em 50 anos, quando acontecem, abalam as estruturas, principalmente das elites. E nós estamos chegando ao final de um ciclo agora, ao final de 50 anos: de 29-30 a 87-88-89, então, com a probabilidade de grandes revoluções. Eu só acredito em transformações profundas no momento em que ocorrem as grandes revoluções e o Brasil vive um estado pré-revolucionário, não há ninguém que esteja conformado, todos estão profundamente amargurados, todos estão profundamente inquietos, numa grande perplexidade, se perguntando: “Para onde nos levam? O que querem fazer com o País? Por que nos tratam desta forma? Quais as razões das discriminações? Econômicas, políticas, sociais, raciais? Quais os fundamentos que podem embasar uma sociedade como a nossa?” Alguns têm muito e outros não tem nada! Não podem sequer alimentar os seus filhos, e aí prepondera a raça negra. Estes estão na miséria, estes convivem com o sacrifício, com o suplício, pois nem é sacrifício, é um suplício o pai ver os seus filhos passando fome. Já nem estamos falando no direito à escol, no direito ao transporte, no direito à saúde, estamos falando no direito à comida, falando no direito à alimentação, no sagrado direito da sobrevivência da criatura humana. Pois nós estamos nesta fase, e, especificamente, no problema da comunidade negra, nós vivenciamos uma hora muito importante, porque estes fatores todos que aqui foram descritos pelos que me antecederam na tribuna foram as causas maiores do nosso atraso. Nós fomos sugados. A chamada Abolição de 13 de Maio, a farsa, a fraude do 13 de Maio, pois não foi para beneficiar o negro que aconteceu o 13 de Maio, pelo contrário, o 13 de Maio foi para beneficiar a elite, o latifúndio, porque o braço do negro já se transformava num instrumento muito caro para o tipo de produção, era razoavelmente conveniente o braço do imigrante, o braço do trabalhador remunerado, e não pelo negro e seus filhos, para lhes darem alimento – quando lhes davam – mas para lhes proporcionar as mínimas condições, assim com as criaturas dos animais, o cavalo, para a carroça, o boi puxa o arado. Eles fizeram conosco exatamente isto. Ao longo de trezentos anos! Ora, se é verdade que os judeus podem chorar a morte de seis milhões, se é verdade que foram perseguidos por longos e longos séculos, nós temos 350 anos de perseguição! 350 anos! Quase 400 anos de sacrifício, mas, o pior de tudo, trezentos e tantos anos de achatamento da nossa História. Comprimiram-nos, sonegaram a nossa História, recusaram que, nos livros, a verdadeira História do negro fosse contada. Cada um de nós é embalado por uma ideologia branca, européia, que está aí a pregar a integração, o branqueamento, a miscigenação, como se este fosse o caminho para a libertação desta raça judiada, sacrificada, supliciada, por mais de 350 anos. E como é doloroso ver alguns de nós negros que ainda não pudemos despertar a nossa consciência, alguns de nós que aplaudem o 13 de Maio, que é capaz de beijar qualquer tipo de fotografia da Princesa Isabel. Que coisa terrível que pode acontecer com a manipulação da consciência da nossa gente! São consciências manipuladas! Sonegaram-lhe a História e eles convivem, ás vezes, com o mínimo e, toda vez que recebem um direito, agradecem como de fosse um favor, como se fosse uma caridade. Então, o que está acontecendo em Porto Alegre, Guarani, é um fato histórico. Esta consciência – se bem que somos poucos – é um momento extremamente importante para a nossa comunidade negra. Nós não queremos o 13 de Maio e querem nos impingir. Nós não queremos o Centenário e estão aí com grandes programações para o Centenário, como se tivesse ocorrido a Abolição, como se tivesse nos dado a liberdade, e não nos deram. Tal como aconteceu no quadro aqui descrito pelo Guarani, da Redenção, os negros, no âmbito nacional, foram jogados pelas estradas, como animais, sem um único tostão no bolso e sem terem se ressarcido os danos, não só do ponto de vista moral, mas principalmente os danos que foram causados, do ponto de vista material, a uma comunidade que foi a única propulsora, a única responsável pelo engrandecimento desta Pátria por mais de 350 anos! (Palmas.) Fomos nós que trabalhamos. Qual é o livro que fala isto? Estamos lembrados dos nossos livros. Há muitos negros e outros, descascados como eu, que ainda tem um problema sério, de vez em quando tem negro que diz que eu não sou negro e tem branco que diz que eu não sou negro. Aí fico numa encruzilhada. Quando digo que sou negro; dizem: não és, rapaz. Sou, meu pai é negro como é que eu não sou negro? “Mas tu tens cabelo não o quê, tens ar de índio”. Digo: não é isto, conheço o meu velho. O Guarani tinha o avô dele analfabeto e eu tenho o meu pai analfabeto. Meu velho, beleza de criatura humana, símbolo de coragem, luta pela sobrevivência, um belo indivíduo, analfabeto. Por que ele quis? Não, porque a estrutura social lhe jogou numa situação em que ele não pôde Ter os olhos da alma abertos para os livros. O velhinho é analfabeto, não conseguiu enxergar o mundo das letras. Neste movimento histórico, não queremos briga com ninguém, não devemos nem Ter palavras duras com ninguém, não queremos fazer com eles o que fizeram conosco, até pelo sofrimento que tivemos, desenvolvemos um sentimento de generosidade, de compreensão, fraternidade. Agora. Quando começamos a tomar consciência dos nossos direitos, não precisamos agredir, não precisamos de violência, a verdade da nossa causa é tão extraordinariamente enérgica, vigorosa e forte que é só colocar para as consciências empedernidas e insensíveis que elas terão de se dobrar à marcha Histórica, da consciência negra em nosso País. Não vão conseguir nos abafar. Por isto ás vezes me preocupo com uma colocação mais forte, mais violenta. Não é por aí que vamos conseguir; a causa é profundamente enérgica. A proposta da consciência negra é tão forte que basta colocá-la com clareza, firmeza e exigir e espaço da comunidade negra que a ela deve ser reservado, que foi sonegado até agora. Por isto este movimento que considero histórico, porque afinal é hora de despertar de consciência.

Os negros, nosso irmãos dos morros, das vilas, das favelas, da umbanda a que se referiu, em tom de brincadeira, nosso querido Guarani, eu queria dizer para ele que já alguém tentou fazer mal para mim, eu posso dar o número de catacumbas onde os caras de encontram. É um aviso à companheirada que está de olho em mim, já fiquem sabendo, neste campo aqui o pai entende alguma coisa, outros já tentaram e não conseguiram bulhufas, tem até gente com a perna quebrada, tem gente com a cabeça amassada, não estou querendo assustar ninguém, apenas estou narrando a realidade histórica.

Mas, saindo desta fase de brincadeira para distensionar, eu quero dizer algumas coisas que passaram comigo. Jovem, fui para uma cidade do interior, quis entrar num hotel e não me deixaram. Eu não sabia por quê, me disseram: “Não, é negro”. Eu pensava que todos fossem iguais, jogava futebol, fui faceiro, com os meus 16, 17 anos quis entrar no hotel, todo mundo entrou, quando foi a minha vez, não pude. Aí os companheiros foram extraordinariamente corajosos: “Ele não pode, então nós não vamos entrar também.” Fomos para um outro hotel, evidentemente um hotel muito ruim, mas aquele não tinha esse negócio de racismo.

Mas vejam que coisa incrível! Aqui quando eu fui candidato, eu disse outro dia, vocês se lembram que deu uma celeuma muito grande, alguém escreveu no sexto andar onde havia propaganda: “lugar de negro é na senzala”, outra dizia: “Ele vai transformar o Piratini numa senzala”. Outros diziam: Agora, aquele negócio ai do Galpão Crioulo, eles diziam que iria ser o “Galpão do Crioulo”. E assim por diante, mas a fina de todas, Guarani, eu sofri em Brasília. Então, não é problema de Porto Alegre, é em toda parte. Eu, muito metido, muito palpiteiro andava dando palpites aqui e criei aquele instituto de estudos políticos, o Pedroso Horta. Quem criou foi o companheiro aqui na época do MDB, uma luta que vocês não podem imaginar, até que eles acharam que deviam criar este instituto que aí botaram um cara muito da direita para ser eu secretário para cuidar os meus passos. E, eu ia indo e aproximava-se uma convenção do partido, eu não era comunista, não era fascista e não podiam dizer nada, eu era um trabalhador, me esforçava, a minha área era sempre o direito social, o homem, a criatura.

Bom, este cidadão que eu não vou dar o nome até porque está muito doente pode acontecer com ele o que eu disse que aconteceu com os outros e eu não gostaria, que a minha palavra tivesse esta fulminância, sabe o que ele inventou: “O que o Collares quer? O mulatismo no MDB?” Como se a negritude ou o negrismo fosse uma concepção ideológica, doutrinária, não um estado de alma que nos leve a grandes lutas. Vejam bem o que se passa com a gente. Então, diria só isto. Estamos diante do Ver. Caio, que pertence ao PMDB, e acho que, pacificamente, podemos pedir a ele, que é presidente do Movimento Negro do PMDB, que levasse esta mensagem nossa aqui, que nós estamos querendo que não se faça festa nenhuma. Que 88 seja um ano para as grandes denúncias, para que os pacíficos protestos, para que os registros contra tudo o que fizeram com o negro, e que não se comemore os 100 da Abolição, porque ela ainda não aconteceu para milhares e milhares de irmãos nossos, presos na mais dolorosa das misérias, presos ao analfabetismo, presos na falta de esperanças. Por isto nós estamos colocando aqui, tenho certeza que será levado em consideração, que estamos fazendo na Câmara Municipal, onde há uma liderança aqui, companheiros nossos que exercem, companheiras que exercem uma liderança muito forte no meio da raça negra, e aqui nasce este movimento. Nós não desejaríamos que 88 fosse uma ano de badalação, um ano de festa, um ano de ajoelhar-se nos pedestais que estão apoiando – quem sabe? – estátuas, da Princesa Isabel, como tem em São Paulo. Nós não queremos isto, nós queremos que seja um ano de reflexão, um ano de profunda reflexão, um ano de estudo, um ano em que os nossos agrupamentos, vamos deixar aqui o que o nosso companheiro falou da tribuna – e não pensem que não temos as nossas divergências, que somos tudo santinhos. Alguns pensam de uma forma, outros pensam de outra, uns pensam certo, outros pensam errado, mas nós somos uma comunidade em massa, em busca da sua verdadeira libertação. Então, deixamos aqui este apelo ao Ver. Caio Lustosa, o nosso presidente do Movimento Negro do PMDB, que faça uma conversa com o partido, e até com o Presidente da República, porque o Presidente Sarney é do PMDB. Então, o Presidente Sarney pode atender este apelo nosso: “Olha os negros lá de Porto Alegre, onde tem um negrão que é da Prefeitura, eles estão preocupados, eles acham que esse negócio de estar se fazendo badalação em cima do 13 de Maio, eles não querem, eles não desejam isso.” Aliás, estou até esquecendo de questionar aqui esta liderança pujante do Ver. Coulon. A ele também, que é do PMDB com os companheiros do PDT, de todos os partidos, do PT, do PC que tenham negros em suas fileiras se reunam e falam com suas lideranças para que o ano de 1988 não seja ano de festividades, agradecendo à Princesa Isabel. Ela não nos deu liberdade nenhuma, ao contrário, ela nos jogou este ato infamante da raça negra, esta fraude, essa farsa, nos jogou na rua da desesperança, é a causa da nossa miséria. Se nós estudarmos isso, verificaremos que naquele momento em que deram a libertação, ou a liberdade aos negros tinham, no mínimo, que colocar condições para que ele pudesse, economicamente, sobreviver, mas não fizeram nada. E fizeram com muitos emigrantes, dando-lhes condições de viver, deram terra, deram pá, deram arado, e o que deram para os negros? Nada, nem esperanças nos deram, ao contrário, continuaram espezinhando a comunidade negra. Como nós somos mais de 50% da composição da Nação Brasileira e como nós estamos tomando essa consciência de que o negro tem que agir politicamente, se há uma raça que tem que escolher um Partido é a nossa. Escolha o partido A, B, C, D, E, aquele cujo programa se aproxima daquilo que fosse um partido político, vá para o PC, PC do B, para o PT, PMDB, PDT, só para o PFL não, para o PDS também não, não tem discriminação, mas, se quiser, eu conheci uns companheiros ali, sem dedar ninguém, conheci e até acho que estavam embutidos de boa vontade, eu não creio que estivesse ali querendo fazer qualquer tipo de malandragem, absolutamente não. Mas então, Coulon, vamos repetir, quem sabe se a gente não tira algo de concreto, porque de concreto – nessa semana do Negro – é exatamente o que está acontecendo, a consciência está sendo construída para nós mesmos, ou em nós mesmos. Tem um livro que o Guarani é o autor e vai entregá-lo para os Senhores, amanhã nós vamos encerrar com um ato coordenado pelo Pernambuco onde nós estamos convidando a todos. E aquele negócio de terreno, o Guarani foi de uma maldade muito grande, eu já dei o terreno para ele. E ele veio fazer malandragem em cima de mim, pô! Não respeita nem o irmão crioulo! Já está dado. Não podemos dar sem a Câmara aprovar, mas nós vamos fazer uma cessão de uso para uma comissão, até porque esta comissão é constituída por vários integrantes, uns pensam de uma forma, outros pensam de outra, tem o partido do Negro que é dirigido pelo nosso querido Guarani; o Pernambuco é do PSB; o Mattos é do PDT; tem de todos os Partidos, acho que deve ter. Mas tem que ter uma entidade, uma pessoa jurídica que possa depois receber da Câmara a doação do terreno, então, transitoriamente, nós encontramos uma fórmula, Guarani, que é a de outorgar à Comissão do Movimento Negro, esta que está fazendo a Semana do Negro e que foi constituída, legítima e democraticamente. Nós convocamos lá para a Prefeitura e para o Salão Nobre e reunimos um monte de negrão lá, e tinha irmã nossa, lá, também. E eles é que decidiram escolher esta Comissão, sem qualquer interferência nossa. E a Comissão, em nome dos negros que ali compareceram, foi ela que elaborou o programa, ela que pediu que fosse editado este livro, muito bom e em nível da compreensão popular, porque tem um dado que vocês precisam saber: nós temos muitos negros que tratam do problema do negro, da consciência negra, que são excepcionais. Escrevem livros muito bons, mas às vezes tapam a capacidade de entendimento da grande massa.

Então, a grande massa tem que ter um livro, uma espécie de cartilha que foi o que o Guarani conseguiu fazer, centrando o assunto neste problema do Zumbi, o 20 de novembro. E nesta posição revolucionária, que é a de não receber bem, ou de não aceitar os festejos e comemorações, durante o ano de 1988, de utilizá-lo, todos os dias, se possível para as reflexões profundas de todos os problemas que atingem a nossa raça.

Bem, este terreno já foi escolhido, nós vamos fazer uma Cessão de Uso, e depois quando esta Comissão organizada e ela, consultada a comunidade negra, os clubes, apontar uma entidade, aí então, nós encaminharemos à Câmara um pedido de doação. Eu tenho certeza absoluta de que não haverá nenhum voto contrário a que se faça a doação de um espaço para a construção de um monumento ao Zumbi, do museu do negro, da Casa da Cultura Negra, ou aquilo que os negros, através desta Comissão, deste movimento resolverem ali construir para ter um espaço onde possam aos poucos resgatar a memória de um punhado de homens e mulheres que, arrancados do seio da sua Pátria chorou em muitos porões de navios miseráveis e aqui curtiu a dor deste desterro forçado e que foram maltratados durante séculos e séculos e a quem a história está devendo muito. Agora, não esperar que a elite vá escrever a história. Nós é que temos de escrevê-la, nós é que temos de conquistá-lo palmo a palmo, e para isso este é o momento histórico, porque independentemente de posições partidárias, nós estamos começando a nos entender, a nos dar os braços, a nos congraçar, a caminhar de cabeça erguida e de mãos dadas olhando o horizonte da libertação nossa e de todo o povo brasileiro. Só nós faremos isso. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Ouvidos os Senhores Vereadores, as Lideranças da Casa, a Mesa entende de registrar uma vez mais a posição da Câmara de Vereadores no sentido de se manter aberta, atenta e sobretudo somar esforços com os homenageados de hoje.

 

A SRA. JUSSARA CONY: Sr. Presidente, eu gostaria de pedir a palavra por alguns instantes...

 

O SR. PRESIDENTE: Bem, se o Sr. Prefeito Municipal estiver de acordo...

 

O SR. ALCEU COLLARES: A Vereadora tem todo o direito e dever se usar a palavra.

 

A SRA. JUSSARA CONY: Sr. Prefeito, quando V. Exa. como Prefeito de Porto Alegre tem propostas importantes como esta, naturalmente nós só podemos apoiar e eu tenho a impressão de que nós podemos fazer – e daí vamos precisar de concurso de todo o Movimento Negro exatamente em função da sua proposta. Nós propomos a fazer isso – uma Moção desta Casa a ser encaminhada às Câmaras Municipais, às Assembléias Legislativas para que o Parlamento como um todo e acho que o próprio Prefeito e as Prefeituras das Capitais, no sentido do encaminhamento do expediente aprovado por esta Casa e tantas outras e poderemos reproduzir isso ao Ministério da Cultura, aos Ministérios envolvidos e ao Presidente da República exatamente na linha que o Sr. Prefeito coloca. Essa é uma proposta para que saiamos daqui com uma proposta concreta.

 

O SR. PRESIDENTE: Acredito que a Câmara Municipal de Porto Alegre vem tornado concretas algumas teses dos Srs. Vereadores das diversas Bancadas, até mesmo o que foi exposto pelo Sr. Prefeito como vem trabalhando até hoje. Colhe o dia de hoje para reiterar uma vez seus propósitos de avançar e de nos manter seguramente unidos e, com isso, propiciar pelo menos que a nossa Cidade, o nosso Parlamento não contribua para coisas tão terríveis como vimos denunciar pelos oradores, não pactuaremos com elas, não continuarmos escrevendo a História do Brasil da forma tão dolorosa, como foi sabiamente colocada pelos oradores que se fizeram ouvir. Acho que essas coisas, como cidadãos brasileiros, envergonham a nós, como cidadãos brasileiros. Como cidadãos de Porto Alegre que nós representamos, envergonha a nós. Acho que é uma vergonha e que essa vergonha precisa ser suprimida. Por isso, pediria aos Senhores homenageados que, tanto quanto possível, acionem esta Casa e respondam a ela, façam pressão, para que ela corresponda na sua integralidade. Sei e conheço meus Pares e seguramente todos eles responderão ao apelo, mas fundamentalmente não gostaríamos de compactuar com essas coisas que, me perdoem, acrescentar alguma coisa aos oradores, que tão bem falaram, mas é um verdadeiro massacre que, em verdade, considero que faz parte da História do Brasil e que é intolerável para todos nós como gaúchos e como brasileiros, mas, sobretudo, como porto-alegrense.

Muito obrigado a todos os Senhores que atenderam ao convite da Câmara em aqui participando num ato não de festa, mas num ato que certamente servirá para abrir a cada um de nós uma possibilidade de contribuir mais para que tantas injustiças contidas na nossa História não se repitam.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Nada mais havendo a tratar, estão encerrados os trabalhos.

 

(Levanta-se a Sessão às 18h53min.)

 

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